A Vida de Rafinha Bastos

Feriadão, quatro dias de comida congelada e tempo livre. Daí li que o Rafinha Bastos ia ter um uma série autobiográfica e pensei: por que não escrever um piloto?

“A Vida de Rafinha Bastos”

INT. GALPÃO SOMBRIO (Som de gotas caindo, alarme de carro distante)

RAFINHA BASTOS amarrado em uma cadeira, de costas para  a tela. TRAFICANTE, com cicatriz no rosto, brinca com um estilete.

TRAFICANTE (com a língua presa)
Então foi pra isso o dinheiro?

TRAFICANTE aponta para notebook com vídeo de Rafinha Bastos no YouTube.

TRAFICANTE (continuando)
Você perde o emprego, então pega dinheiro emprestado com o tráfico para fazer vídeo pra internet? E ainda NÃO paga essa dívida. Você só pode ser a pessoa mais estúpida que eu já vi na vida.

RAFINHA BASTOS (cabisbaixo)
Eu achei que ia ser bom, ia ser bom pra mostrar que eu mantive minha credibilidade artística.

TRAFICANTE
Credibilidade artística?! Tu faz piada, bróder. Não são ruins as piadas, eu tenho um tio, ele Tá em um estágio bem avançado de Alzheimer e ele faz umas piadas bem boas tipo as suas. Vocês iam se dar bem. É uma figura. As vezes ele vê foto de mulher dirigindo no Facebook e comenta: ‘Que perigo”. É um brincalhão, sua cara. Eu particularmente concordo com algumas coisas: mulher é tudo puta, todos viados devem morrer…

RAFINHA BASTOS (interrompendo)
Eu nunca falei isso.

TRAFICANTE
Lógico que não (pisca com canto do olho). Assim como você também não pegou 5 mil emprestado

do tráfico pra fazer vídeo de piadinha na Internet.

RAFINHA (em tom irônico)
Melhor que fazer aqueles comerciais que o YouTube obriga a ver que nem o resto do CQC.

TRAFICANTE
Chegou de piada, piadista.

TRAFICANTE crava estilete em uma tábua, tira uma arma das costas e dá uma coronhada no rosto de RAFINHA. A imagem

congela no rosto sendo agredido e, sobre o frame congelado, aparece o título:

“A VIDA DE RAFINHA BASTOS”

EXT – PARQUE

RAFINHA BASTOS (fazendo carinho no próprio rosto)
Eu não sei mesmo. Eu tô completamente perdido. As pessoas me odeiam, minha vida tá sem um propósito. Eu me sinto constantemente como o tio que bebe demais e estraga a noite de natal.

VOZ FEMININA (em off, ainda enquadrando apenas Rafinha)
Fodam-se esses putos. O que falta pra esses boqueteiros é uma boa piroca atolada no cu.

Enquadramento abre e vemos que é Sandy Leah que está do lado de Rafinha Bastos. Ambos estão com roupas de ginástica se passando uma bolinha de tênis enquanto conversam.

SANDY
Eu, mais do que ninguém, sei que chove bicha louca nessa indústria.

RAFINHA ri, passa a bola para Sandy, que joga de volta e Rafinha não consegue pegar. A bola rola até uns palhaços de rua (um deles fuma um cigarro) que vendem algodão doce. Rafinha para.

SANDY
Não vai pegar a bola?

RAFINHA
Tu não pode pegar pra mim?

SANDY
Cê tem medo de palhaço, bicho?

RAFINHA
Não de todos palhaços. Mas desses sim. Desses que são mal pagos, tão com a cara pintada embaixo do sol do meio dia e só fazem isso porque não queriam trabalhar como faxineiros. O sonho deles não é sair e trazer alegria pras pessoas,  eles não terminaram o ensino médio e pensaram “nossa, mãe, quero fazer curso de clown, quero ir pra europa ser clown”. Então sim, eu tenho medo de palhaço.

SANDY (rindo e indo pegar a bola)
Boiola.

Sandy e Rafinha chegam em uma esquina, onde mais umas pessoas esperam para o sinal abrir. Rafinha não percebe que o sinal está fechado e continua andando. Um adolescente no celular vê, de canto de olho, aquela silhueta passando e o acompanha, acreditando que o sinal tenha aberto. Rafinha percebe que vem um carro e dá um passo para trás. O adolescente, imerso no seu celular, continua andando e é atropelado brutalmente.

Sangue esguicha no rosto de Sandy.

RAFINHA encara catatônico a situação.

MULHER
Monstro! Assassino!

RAFINHA
Eu não vi! Eu não imaginei que ele fosse andar junto, eu nem percebi que eu tinha ido…

SANDY (interrompendo e limpando o sangue do rosto no casaco de Rafinha)
Ninguém viu, não aconteceu. Bóra.

Sandy para um taxi e puxa Rafinha para dentro do carro.

INT. – TÁXI

SANDY
Mas então, agora que tu fica o dia inteiro a deus dará, tem visto muita TV?

RAFINHA (mexendo no celular, meio distante)
Não muito. Eu baixo mais filmes, né. Tem que ser meio otário pra ver TV hoje em dia, assinar TV a cabo. Tem tudo de graça na internet.

SANDY
Às vezes eu vejo o número de vendas do meu cd, ganho disco de platina, e penso: “da onde vem essa gente?! 1991? tem de graça na internet, seus imbecis”. Essas pessoas já tomam remédio antibiótico ou penincilina é outra tecnologia que eles preferem não aderir?

RAFINHA ri, mas ainda mais distante.

SANDY
O que houve, bicho? Tá mal pelo acidente de antes? Isso acontece mesmo, cara. Uma vez tava eu, André Marques e uns 4 quilos de m…

RAFINHA (interrompendo)
Não, é que, é que me chamaram de gordo no Twitter. (aperta uma teta) Eu tô gordo?

SANDY
Bicho, tu tem mais de quatro milhões de seguidores, isso é mais que a população do Brasil e

RAFINHA (interrompendo)
Eu tenho quase certeza que não.

SANDY
O fato é que uma pessoa diz isso e tu já te afeta e…tá, tu tá gordo. Gordíssimo. Que porra tu tá comendo? Pastel no café da manhã? Milkshake de bacon?

RAFINHA (descendo do carro)
Eu tô com minha roupitcha, meu iPod. Me deixa aqui que eu vou correndo pra casa, ficar em forma, magérrimo tipo o Cazuza no fim de carreira.

SANDY (pela janela com o taxi partindo)

É por essas piadas que tu não tem emprego.

EXT. RUA

Montagem em câmera lenta. Rafinha coloca arruma tênis, tira a jaqueta e a joga no chão da rua, coloca os fones e aperta play. Começa tocar “Vou Deixar” do Skank. Rafinha corre, sua, sorri, como se o esporte exorcizasse todos demônios dos últimos meses. Rafinha começa a ficar ofegante. Cada vez mais.

Nos fones, Rafinha ouve:

Vou deixar a vida me levar
Pra onde ela quiser
É melhor desistir
Seu leitãozinho infeliz

Rafinha faz cara de espanto com o que ouve, cada vez mais ofegante, massageando o peito com a mão. A visão de Rafinha começar a ficar turva e girar. Enquanto isso, ele ainda ouve, no ritmo da original:

Seu gordo simplório
Quer almoçar churros
Doce de leite e
Lasanha de quatro queijos

Rafinha, escorando num muro, vê Samuel Rosa com uma guitarra se aproximando, cantando agora pessoalmente:

SAMUEL ROSA
Tuas veias tão entupindo
Tu não vai chegar nem nos 50 anos
Esse teu coração vai explodir

Rafinha começa a fechar os olhos. Tudo fica escuro.

Em visão subjetiva, Rafinha Bastos abre os olhos. Percebe que um mendigo criança rouba um de seus tênis e sai correndo. Olha para frente e vê um paparazzi que bate uma foto. Um flash é disparado.

INT. ESCRITÓRIO DO RAFINHA BASTOS

A imagem que recebeu o flash (Rafinha deitado no chão, sujo e sem seus sapatos) agora é uma foto impressa em um jornal que Rafinha lê, abaixo da manchete “Comediante espírito de porco debocha de mendigos no centro de São Paulo”. Rafinha larga o jornal quando seu estagiário, um menino oriental de aparência infantil, entra no escritório.
ESTAGIÁRIO
O seu agente está o esperando para o almoço.

RAFINHA
Ok, já tô indo, Matsumoto…Takashi? Kurosawa? Qual o seu nome mesmo?

ESTAGIÁRIO
Daniel, senhor.

RAFINHO (passando a mão na cabeça do estagiário, bagunçando o cabelo)
Isso, Daniel-San. Avisa que eu já tô indo.

INT. RESTAURANTE

Rafinha senta em uma mesa de uma padaria ao lado de um homem de chinelo, bermuda, barba por fazer e cabelo sujo e desgrenhado.

RAFINHA
Conseguiu meu ingresso?

AGENTE
Que ingresso?

RAFINHA
Porra, o da Madonna. Eu pedi faz meses, tu falou que conseguia.

AGENTE
Putz, esqueci. Não tem como tu comprar?

RAFINHA
800 reais, cara. É pra minha mulher, ainda. As pessoas falam do casamento legalizado, mas maior benefício em ser heterossexual é não precisar pagar 800 reais pra ver a Madonna.

AGENTE
Uououououou. Alto lá, campeão. (curva para frente e sussurra) Isso é aí homofobia. Pega leve. Esse comportamento que te colocou nesse lugar em primeiro lugar. Tu sabe que se fosse um ano atrás, tu conseguia esses ingressos assim (estrala os dedos). Como era? O twitter mais bonito da cidade, Revista Times? Cada uma, haha.

RAFINHA (cansado)
Tu podia te esforçar um pouco mais, né? Tentar conseguir algo pra mim. Ou pelo menos te vestir que nem um adulto. Por Deus, tu é meu agente.

AGENTE
Vai querer que eu bote um terno agora? Tá com saudade do CQC tá? Hahahahha!

RAFINHA (mais cansado ainda)

Cara, isso não tá funcionando. Não sei. Essa nossa dinâmica. Tô pensando em procurar outro agente.

AGENTE fica sério. Perde qualquer feição brincalhona. Abre a boca para argumentar quando é interrompido por um adolescente na rua, de uniforme escolar:

ESTUDANTE
RAFINHA BASTOS, VAI TOMAR NO CU.

Agente aproveita a oportunidade.

AGENTE
Quer que eu resolva isso? Eu vou resolver isso. Cliente meu não aceita sapo de qualquer um. Espera aí.

RAFINHA
Não precisa, não foi nada. Não precisa!

Agente sai correndo atrás do estudante.

Montagem de perseguição pelas ruas de São Paulo.

INT. METRÔ

Estudante entra no metrô. Agente segue.

EXT. RUA

Rafinha Bastos caminha ouvindo “Love of My Live” do Queen, ao vivo no Rock in Rio. Ele canta junto, bem baixinho. Apenas a plateia canta no ao vivo e Rafinha apenas escuta. Rafinha fala “It’s beautiful” junto com Freddie Mercury.

INT. METRÔ

Estudante desliza por baixo da roleta. Agente coloca os chinelos na mão e pula por cima da roleta, se apoiando nas beiradas.
EXT. RUA

Rafinha Bastos dá uma moeda para um mendigo e senta em um degrau de uma igreja. Coça a cabeça como quem procura lógica na vida.

INT. METRÔ

Agente pega o Estudante pelo casaco e o segura em um mata-leão. Agente tira o celular do bolso, tentando dominar o Estudante que se mexe bruscamente para tentar escapar do mata-leão e mexer no equipamento ao mesmo tempo.

EXT. RUA

Celular de Rafinha Bastos toca. Ele tira do bolso. É uma mensagem do agente. Ele abre e é uma foto do Agente sorrindo segurando o Estudante em um mata-leão e a frase “Desculpa =/”.

Rafinha sorri olhando para a mensagem.

ASSALTANTE (apontando uma faca)
Passa o celular, tio.

RAFINHA
O que?

ASSALTANTE
Cê é surdo? Quer que eu fure sua orelha pra cê ouvir? O celular, caraio.

Rafinha entrega o celular. Assaltante pega e olha confuso para Rafinha.

ASSALTANTE
Porra, cê não é da TV?

RAFINHA (com um pouco de esperança de recuperar o celular)
Isso! Eu..

ASSALTANTE (interormpendo)
Lógico! O gordo do VideoShow! André Marques, né? Valeu aí, Mocotó! (balançando o celular no ar).

Rafinha Bastos suspira.

FIM.

7 Respostas para “A Vida de Rafinha Bastos

  1. excelente hahahahah, de verdade

  2. Rafinha, tenha uma boa alma e grave esse piloto, sim?

  3. sensacional

  4. chini eterno

  5. Assim que se faz televisão.

  6. Pingback: Não é fácil ser irmão do Selton Mello. | Newronio ESPM

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